Cobrança Indevida de Valores de Condomínio e IPTU Antes da Entrega das Chaves

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Introdução

A compra de um imóvel envolve uma série de etapas e responsabilidades que devem ser cumpridas por ambas as partes: comprador e vendedor ou incorporador. Um dos pontos de controvérsia mais recorrentes é a cobrança de taxas de condomínio e do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) antes da entrega das chaves ao comprador. Este artigo visa analisar detalhadamente a legalidade dessa prática com base na legislação vigente, destacando os princípios jurídicos envolvidos.

1. Fundamentos Legais

1.1 Código Civil Brasileiro

O Código Civil Brasileiro, especificamente em seu artigo 1.336, estabelece as obrigações dos condôminos. Dentre essas obrigações, está o pagamento das despesas condominiais. No entanto, a responsabilidade pelo pagamento dessas taxas geralmente se inicia a partir do momento em que o comprador assume a posse do imóvel, ou seja, com a entrega das chaves.

> Art. 1.336. São deveres do condômino:

> I – Contribuir para as despesas do condomínio, na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;

> II – Não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;

1.2 Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei nº 4.591/1964)

A Lei nº 4.591/1964, que regula as incorporações imobiliárias, estabelece claramente que a responsabilidade pelas despesas condominiais é do incorporador até a entrega das unidades aos adquirentes. O artigo 43 desta lei especifica que tais despesas são de responsabilidade do incorporador até a data da entrega das chaves.

> Art. 43. As despesas necessárias à manutenção dos serviços ordinários de responsabilidade do condomínio, até a data da entrega das unidades aos respectivos adquirentes, correrão por conta do incorporador.

1.3 Código de Defesa do Consumidor (CDC)

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) aplica-se às relações entre compradores e incorporadores, considerando o comprador como consumidor e o incorporador como fornecedor. O CDC protege o consumidor contra práticas abusivas, incluindo a cobrança indevida de valores antes da posse do imóvel.

> Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

> V – Exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

2. Análise dos Princípios Jurídicos

2.1 Princípio da Boa-fé Objetiva

O princípio da boa-fé objetiva é fundamental nas relações contratuais, exigindo que as partes ajam com lealdade, transparência e cooperação mútua. A cobrança de taxas de condomínio e IPTU antes da entrega das chaves viola esse princípio, pois impõe ao comprador uma obrigação indevida. A boa-fé objetiva pressupõe que o incorporador não imponha encargos ao comprador antes que este tenha a possibilidade de utilizar o imóvel.

> Art. 422 do Código Civil. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

2.2 Princípio da Função Social do Contrato

O contrato deve cumprir sua função social, assegurando que suas cláusulas sejam justas e equilibradas. A imposição de encargos financeiros ao comprador antes da entrega do imóvel é desproporcional e contrária à função social do contrato, que visa promover a justiça e a equidade nas relações negociais. O desequilíbrio causado por tais cobranças pode ser considerado um abuso do poder econômico por parte do incorporador.

> Art. 421 do Código Civil. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

3. Procedimentos e Recomendações

3.1 Auditoria de Contratos

Para evitar litígios futuros, é recomendável que os contratos de compra e venda de imóveis contenham cláusulas claras sobre a responsabilidade pelo pagamento das taxas de condomínio e IPTU. Tais cláusulas devem estipular que a responsabilidade por essas despesas é do incorporador até a entrega das chaves. A inclusão dessas disposições pode prevenir práticas abusivas e proteger os direitos do comprador.

3.2 Ação Judicial

Caso o comprador seja indevidamente cobrado por taxas de condomínio e IPTU antes da entrega das chaves, ele pode buscar a restituição dos valores pagos por meio de uma ação judicial. A legislação brasileira, através do CDC e do Código Civil, é favorável ao consumidor, reconhecendo a ilegitimidade dessas cobranças. O consumidor pode ainda pleitear indenização por danos materiais e morais decorrentes da cobrança indevida.

Conclusão

A cobrança de taxas de condomínio e IPTU antes da entrega das chaves ao comprador é ilegal, conforme a legislação brasileira. O incorporador ou vendedor é responsável por essas despesas até a efetiva entrega do imóvel. Os compradores que enfrentarem essa situação devem buscar orientação jurídica para assegurar seus direitos e, se necessário, acionar o Judiciário para obter a restituição dos valores pagos indevidamente.

Autor: Filipe Sena, Advogado.

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